segunda-feira, 11 de julho de 2011

“Meia noite em Paris”, a câmara de descompressão e o cheiro da pipoca


E quando a poesia te rouba o tempo, te captura e transporta? Assim é “meia noite em Paris”. Uma epifania cinematográfica. Uma viagem onde a neutralidade inexiste. Um filme desse porte, assim como uma final de copa do mundo, precisa ser um evento. Não deveria ocorrer sem uma certa pompa.
O Shopping Center é um lugar razoável para muitas coisas, até para se ver um filme. Mas não todos. Deveria haver algum tipo de proibição para filmes como “meia noite em Paris” serem exibidos em shoppings centers. O choque ao sairmos da sala de exibição é traumático. É como sair do útero materno para um centro cirúrgico. Mas não é um parto, ou melhor, é um parto invertido. Da Paris da década de 1920 ou da belle époque para o salão refrigerado e fedendo a pipoca de um shopping. Em casos como esse deveria haver um período de transição, similar ao que existe para os mergulhadores. Uma espécie de câmara de descompressão que nos permitisse voltar paulatinamente à realidade.
O filme de Woody Allen é de uma delicadeza brutal. A fotografia é belíssima, o humor, na medida certa, o romantismo, humano e real. Uma das mensagens mais provocantes do filme é sobre como enfrentamos a realidade. Você pode escolher entre viver na superfície, sem intensidade ou pode escolher a profundidade, a essencialidade. Futilidade e conteúdo se enfrentam de forma emblemática, mas real.
O não lugar é sempre mais confortável que a materialidade doméstica de nosso presente. Por isso viajamos, e isso é bom. Indispensável até. A fantasia precisa do homem para se realizar. Sem o humano a fantasia seria uma utopia irrealizável, impensável. Impossível até.
Allen é preciso, cirúrgico. Seu bisturi nos transporta ao filme pelo filete mágico da identidade que criamos com o protagonista. Torcemos por ele. O invejamos. Queremos ser ele, ou pelo menos estar com ele na sua jornada em busca de si. Seu dilema sobre a condição humana é o nosso dilema. Queremos que o final seja feliz. Um lugar comum, mas sincero.
“Meia noite” não é apenas uma viagem: é várias. Viajamos pela Cidade Luz, viajamos no tempo, viajamos na poesia, na pintura, música… enfim, uma viagem pelas outras seis artes que “precedem” o cinema, ele mesmo uma arte, a sétima.
Se nunca foi a Paris, veja o filme, vale a pena. Se já foi, vê-lo é uma obrigação. Certamente você reconhecerá alguma rua, praça, teatro ou bar. Em qualquer dos casos prepare-se para ser arrebatado, para ficar na sala de projeção torcendo por mais alguns minutos da película. Esse é um filme daqueles que precisa ser visto no cinema. Um filme lindo, porque humano em sua dimensão mais concreta: a fantasia.
Fernando Carneiro, é historiador e dirigente do PSOL/PA

Um comentário:

Anônimo disse...

Bela descrição senhor historiador. Quem não tinha interesse em assistir ao filme a partir deste texto, certamente irão correr para se posicionarem na primeira a fila para se deliciar com tal sublime filme. Contrariando a vontade de alguns o cinema vai lotar. Ainda que muitos não entendam o que o filme retrate na íntegra. E a propósito viver na superfície sem qualquer intensidade, pode ser irreal, mas é bastante cômodo e menos perigoso. Querer entender a essência humana e uma ação impossível de ser realizada.