domingo, 3 de fevereiro de 2008

Carnaval, a festa da carne

O Carnaval Pagão é uma festa que tem sua origem nos cultos agrários da Grécia, em que se celebrava a fertilidade e produtividade do solo. Pisistráto, que governou Atenas entre 546 e 527 a.C., oficializou o culto a Dionísio, o deus grego equivalente ao deus romano Baco, das festas, do vinho, do lazer e do prazer, filho de Zeus e da princesa Semele, o único deus filho de uma mortal.
O Carnaval Cristão passa a existir quando a Igreja Católica oficializa a festa, em 590 d.C., cedendo aos anseios populares. O que era considerado ocasião para a libertinagem passou a ser cerimônia oficial com certos limites estabelecidos para conter a carnalidade do povo: “se você não pode vencer seu inimigo, alie-se a ele”. Mas em 1545, no Concílio de Trento, o Carnaval é reconhecido como uma manifestação popular de rua, e sua data é fixada em 1582 pelo Papa Gregório XIII, quando da transformação do Calendário Juliano para Gregoriano, sempre no 7º domingo que antecede ao domingo de Páscoa.
No Brasil o carnaval chega em 1723, trazido pelos portugueses das Ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde, com o primeiro registro de baile em 1840, de onde, em 1855, surgiram os primeiros grandes clubes carnavalescos, precursores das atuais escolas de samba.
A festa ganhou diferentes cores na celebração popular. Desde os blocos de rua, com suas manifestações pitorescas e despudoradas, passando pelos bailes de salão, com todos os seus ingredientes de gala, luxo e lixo, e também enchendo as ruas com trios elétricos e foliões de abadá, especialmente no Nordeste, e escolas de samba, mini óperas de rua, que desfilam pelos sambódromos cantando temas que incluem, por exemplo, uma homenagem a Tom Jobim, uma versão alternativa da história do Brasil ou a chamada de atenção à questão ecológica.
Minha lembrança mais remota do carnaval me remete ao Rio de Janeiro, meados da década de 70, quando eu corria apavorado fugindo dos “bate bola”, garotos mascarados que vinham em bandos batendo no chão uma espécie de bixiga de pele curtida que fazia um barulho tenebroso – uma versão tupiniquim do Halloween, com diferença de que não me lembro se eles pediam balas e doces ou apenas tocavam horror.
Em todas as suas manifestações não há como deixar de relacionar o carnaval com a festa da carne, que o relaciona ao hedonismo puro, quando se busca o prazer do corpo acima e antes de tudo, e sugere uma “licença para pecar”, especialmente os pecados sexuais, relacionados com lascívia e luxúria – a Prefeitura de Recife pretende distribuir a pílula do dia seguinte, um contraceptivo de emergência, usado após o “sexo casual”, e que objetiva impedir ou retardar a liberação do óvulo pelo ovário, impossibilitando a fecundação, ou impedir a nidação, fixação do óvulo fecundado no útero (que polêmica, hein?!). Fica entendido por que depois vem a quarta-feira de cinzas, dia de jejum e abstinência, quando alguns cristãos de tradição católica romana rememoram sua mortalidade, usando as cinzas à luz do simbolismo bíblico para o arrependimento perante Deus. A quarta-feira de cinzas ocorre sempre um dia depois da terça-feira gorda, o último dia da temporada de Carnaval e também, ou justamente, o último dia em que se pode comer carne, vindo em seguida a Quaresma, quarenta dias de jejum em preparação para a Páscoa.
A festa do carnaval, na cultura cristã católica ocidental, tem seu simbolismo claro: vamos todos morrer, e o melhor que temos a fazer antes disso é mergulhar de cabeça em todos os prazeres possíveis, que sabemos efêmeros e insuficientes para nos conduzir à plenitude da vida, possível apenas na ressurreição. Considerando, entretanto, que a carne é fraca, celebramos sua festa, mas não sem o cuidado de nos arrependermos, ainda que um arrependimento inconsistente, é verdade, apenas uma preparação para morrer bem, em vez de tomada de consciência para viver melhor.
© 2008 Ed René Kivitz
Publicado no site da Igreja Batista Água Branca

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